Audiência Pública no município de Fátima, foi um marco na pactuação de parâmetros necessários à pulverização terrestre.

No dia 27 de maio de 2022, foi realizada uma audiência pública, no Município de Fátima, que foi coordenada pelo Ministério Público, para estabelecimento de um acordo entre os agricultores familiares e população impactada, sobre as formas de aplicação de pulverização terrestre, que possam causar o mínimo de impactos à população e meio ambiente.

Imagem de divulgação da Audiência Pública

O MP instaurou um procedimento para investigar o caso em 2016 e teve a constatação de que várias pessoas tiveram impactos em sua saúde pelo uso de agrotóxicos, em diversos povoados do município, evento que se repetia nessas localidades a cada novo ciclo produtivo.

A secretaria municipal de saúde estava sendo informada desses eventos e em parceria com a DIVISA, alimentava o sistema de Vigilância em Saúde de Populações Expostas ao Agrotóxico-VSPEA.

Com a população impactada, ocorreu uma denúncia ao Ministério Público que instaurou o procedimento para investigar o caso.  Daí surgiram desdobramentos para melhor conhecimento do assunto e para colher informações das partes envolvidas, população, agricultores, órgãos públicos municipais e estaduais.

Por fim, após a explanação das partes e conhecimento dos fatos, faltava uma última reunião voltada para o estabelecimento de fato de um acordo que pudesse atender minimamente às partes, e essa reunião foi a Audiência pública do dia 27 de maio de 2022.

O local escolhido foi a “casa do povo”, a Câmara de Vereadores municipal. Presentes o prefeito, o presidente da Câmara e mais uma vereadora, o Ministério Público, Agência Estadual de Defesa Vegetal e Agropecuária da Bahia-ADAB, Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e pela Agroecologia, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-CREA; Secretário de Agricultura, Secretária de Saúde, Diretoria de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental-DIVISA, ARCAS; agricultores familiares e população do município.

O representante da ADAB iniciou falando sobre os agrotóxicos e cuidados relacionados ao transporte, preparo da calda, aplicação e descarte de embalagens. Posteriormente, a representante da Divisa, Claudine, explanou sobre o Programa de VSPEA, sendo complementada pela secretaria de saúde municipal. O Fórum Baiano foi representado por Ruy Muricy, que explanou os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e as formas de prevenção. Por último o CREA explanou sobre as alternativas de produção sustentáveis para a região.

Espaço aberto a plenária para sua livre manifestação, começou a explanação das problemáticas. Como em toda negociação, em alguns momentos parecia que estávamos próximos a um acordo, e depois uma nova fala, e desfazia os entendimentos e o acordo voltava a estaca zero. Foi importante a postura da promotora Luciana Khoury, quando fez lembrar aos presentes que ali todos estavam intimados, e que toda aquela tentativa de acordo, na verdade, era para evitar uma ação judicial contra cada um dos agricultores investigados.

Ânimos acalmados, propostas foram sendo apresentadas, até que se chegou a alguns pactos: ficou decidido que deverá ser respeitada a distância de até 50 metros de residências, aglomerados populacionais, unidades de saúde em geral, instituições de ensino, ou outros locais com presença de pessoas, nascentes e cursos de água para aplicação de quaisquer agrotóxicos; e entre 50 metros e 100 metros de distância de aglomerados populacionais, unidades de saúde em geral, instituições de ensino, ou outros locais com presença de pessoas e nascentes e cursos de água, só será permitido o uso de agrotóxicos com pulverizador costal, minimizando a deriva de agrotóxicos. Também ficou completamente restringida a pulverização aérea, seja por aviões ou drones.

“Achei muito importante a temática da audiência pública convocada pelo MPE, pois diferentemente de outras discussões que participei essa tratou da responsabilidade objetiva dos agricultores que diante da deriva de agrotóxicos pulverizados em seus respectivos cultivos causam impactos sobre o entorno, o que se pode chamar de “impacto de vizinhança”. Assim, o resultado final da audiência foi positivo no sentido de combater a deriva com as delimitações de distancia: zona de exclusão (50 metros); zona de uso restrito (50 a 100 metros) com permissão para uso de pulverizadores costais e a partir de 100 metros a permissão para uso de pulverizadores com tratores. Além disso, o uso de cortinas verdes dificultando a dispersão de agrotóxicos no ambiente é uma alternativa factível e necessária, bem como a adoção duma assistência técnica, por parte do estado, dirigida aos agricultores familiares em bases ecológicas”.

Comentou Ruy Murici.

Ficou acordado ainda a criação de grupo de trabalho entre o Ministério Público, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Fátima, a Secretaria Municipal de Saúde e Meio Ambiente, a diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental (Divisa), a Associação Regional de Convivência Apropriada do Semiárido (Arcas), a Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), para apurar eventuais casos de descumprimento, planejar soluções futuras e subsidiar novas decisões coletivas; e que o Município de Fátima, em parceria com a Adab, promoverá programa de recolhimento de embalagens, com destaque para promoção de coletas itinerantes de embalagens de agrotóxicos, havendo a necessidade de intensificar as referidas coletas no final de julho e início de agosto.

Além disso, a Adab se comprometeu a promover a listagem dos dez agrotóxicos mais usados na região, visando melhorar o direcionamento dos trabalhos futuros de monitoramento de água consumida; e a reforçar a fiscalização do uso de agrotóxico, bem como buscar os revendedores para fins de conscientização da necessidade de implementar a logística reversa das embalagens dos agrotóxicos, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e Agricultura.

A presente pactuação teve uma importância muito grande para a população, mas em particular, para o Ministério Público e para o Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e pela Agroecologia, pois, serviu de balizamento e embasamento das proposituras de projetos de leis sobre regulamentação de pulverização terrestre, objeto de exaustivos estudos e debates no fórum.

Ficou latente, que os parâmetros para estabelecimento de distâncias e outros pactos, podem variar de acordo com as características da região, ou território. A situação fundiária, se tem presença de minifúndios, pequenas propriedades de agricultores familiares ou se latifúndio; Se a região majoritariamente é de agricultores pouco capitalizados ou muito, pois, a forma da aplicação também influencia; a presença ou ausência do poder público apoiando as ações e a importância dos dados de saúde pública por parte do estado e município; a presença ou não de entidades prestadoras de Assistência Técnica e Extensão Rural, estadual e municipal; a presença da ADAB em parceria forte com o município, ou uma ausência dos atores públicos; características ambientais de relevo e clima; e por fim um MP atuante, são fatores que fazem muita diferença na hora de uma pactuação, não cabendo “receitas de bolo” para os projetos de lei. Há que se existir um mínimo estudo e debate para cada situação.

Contudo, esse entendimento e os entendimentos futuros, passam a ter desde agora, um balizamento, ou seja, nessas circunstâncias encontradas, houve a condição para se chagar à pactuação acima explanada, e essa experiência ainda precisa ser testada, para só então ser validada, ou não.

Carecemos de período mínimo de tempo. O período das pulverizações estão se iniciando, e os atores presentes terão na mão uma tarefa de tentar fazer valer o quanto foi pactuado, e de informar possíveis contratempos e necessidade de ajustes. Ao final da safra quem sabe já poderemos ter resultados concretos, para que só então possamos ter os resultados como um balizador, ou não, para futuros projetos de lei com esse mesmo sentido.

Mas, uma coisa é muito produtiva e deve ser comemorada, divulgada, demos um primeiro passo. E sem dúvida essa discussão foi maturada dentro do FBCA, e através dele, haveremos de acompanhar, aperfeiçoar e construir relações ambientalmente, socialmente e produtivamente mais saldáveis, e quem sabe conduzindo para futuro agroecológico.

Salvador, 31 de maio de 2022.

João Bosco Cavalcanti Ramalho

Eng. Agrônomo membro do FBCA