Realizado pelo FBCA, seminário ‘Agrotóxicos e Mortandade de Abelhas: Consequências para a Vida’ discutiu perspectivas futuras e reuniu pessoas de todo o Brasil 

Evento contou, ainda, com lançamento de formulário de denúncias para utilização dos criadores de abelhas da Bahia, iniciativa inédita no país

“Obrigada a todos que lidam com abelhas e fazem da vida no planeta possível”. Foi assim que a promotora de Meio Ambiente, Luciana Khoury, coordenadora do Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Transgênicos e Pela Agroecologia (FBCA) deu início aos trabalhos do  Seminário Agrotóxicos e Mortandade de Abelhas: Consequências para a Vida. Pela fala, logo se via que aquele seria um espaço de trocas de experiências, de conhecimentos e de afetividades. Com transmissão simultânea na plataforma Zoom e no canal do youtube da ONG Agendha, o evento reuniu, virtualmente, mais de 130 participantes, entre meliponicultores e apicultores, técnicos da assistência técnica e extensão rural (ATER), representantes de órgãos públicos e ONGs, ambientalistas da Bahia e do Brasil. 

Estiveram presentes também o deputado estadual Marcelino Galo, Welliton Rezende, da Secretaria de Desenvolvimento Rural e Pedro Serafim, do Ministério Público do Trabalho. 

“Essa luta é contra o capital hegemônico, o capital financeiro. Agora está claro para todo mundo que ele é destruidor da vida e da natureza. O agronegócio mata”, alertou Galo, que declarou apoio ao Fórum: “Estamos aqui à disposição desses grandes lutadores que de forma imprescindível, vocês são imprescindíveis nessa luta. Podem contar com a nossa função de legislador, mandato enquanto deputado desse estado, que tem visto a forma dramática que a apresenta a governança do nosso meio ambiente”.

No turno da manhã, o público acompanhou o relançamento do livro ‘Meliponicultura Básica para Iniciantes’, de Genna Sousa, bióloga, professora e pesquisadora. Lançada este ano, a obra, que teve uma tiragem de 1000 exemplares, já alcançou a venda de 800 unidades, sinalizando como o tema tem interessado cada vez mais pessoas no estado e fora dele. “A atividade vem crescendo não só na Bahia, mas em todo o Brasil. Então, nós precisávamos de mais informações básicas e resolvemos fazer um livro físico, e ele foi muito bem aceito”, destacou a autora, que também coordena o Setor de Meliponicultura da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). 

Lançamento do livro Meliponicultura básica

Na sequência, foi a vez de ouvirmos toda a sabedoria do professor Lionel Segui Gonçalves, especialista em abelhas africanizadas, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Emocionado, ele retratou a mortandade das abelhas dentro de uma perspectiva ampliada, na qual, o envenenamento massivo por agrotóxicos é apenas uma das mais graves causas deste desastroso fenômeno. “No mundo todo, a importância da abelha é indiscutível. Devido à falta de abelhas, pode surgir uma nova profissão, a de ’Polinizador Homem-Abelha’, como já ocorre hoje na China”, alertou. Vale ressaltar que o professor Lionel Segui Gonçalves é também idealizador da ONG Bee or not to be, “uma associação civil brasileira, sem fins lucrativos, de caráter socioambientalista, que tem por finalidade apoiar e desenvolver ações para a defesa, elevação e manutenção da vida de todas as espécies de abelhas” (https://www.beeornottobe.com.br/). 

Apresentação do professor Lionel Gonçalves

O advogado gaúcho Leonardo Pillon afirmou que a mortandade de abelhas precisa ser encarada como um ecocídio. Segundo ele, o envenenamento por agrotóxicos de um ente ecológico fundamental para a manutenção dos biomas e dos sistemas de produção de alimentos, como as abelhas, é apenas uma fração dos riscos que ameaçam ecossistemas e põe em xeque a segurança alimentar em países como o Brasil, líder mundial em consumo de agrotóxicos. A partir dessa perspectiva ampliada, correlacionou o fenômeno da mortandade aos impactos dos desmatamentos e degradação de biomas brasileiros à iminência e agravamento dos efeitos da crise climática, propondo um debate plural e aprofundado a partir do campo jurídico. “Todos os agrotóxicos que foram aprovados e registrados no Brasil até 2011 não passaram pela avaliação de risco ambiental. E é importante destacar que não falta legislação para se fazer uma responsabilização dos casos, uma apuração… O que falta, na verdade, são alguns protocolos de investigação que atendam a complexidade desses fenômenos”, assegurou o conselheiro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS). 

Pillon sugeriu aos participantes o vídeo Medo da Primavera – uma hecatombe em andamento (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mV6EBZSc528), como forma de melhor compreender as dimensões da problemática. 

Apresentação do advogado Leonardo Pillon

Fumacê e cadastro na ADAB

Dando continuidade ao Seminário, no turno da tarde, o engenheiro agrônomo e meliponicultor Márcio Pires, atuante na região de Irecê, sertão da Bahia, nos trouxe um relato de caso. Proprietário do Meliponário Rei da Mandaçaia e trabalhando há 30 anos com abelhas sem ferrão, ele denunciou o uso do “fumacê”, tal como é conhecido o processo de pulverização de inseticidas, como medida de controle do Aedes aegypti. Uma destas ações o levou a perder um número incalculável de abelhas e, consequentemente, a um grande prejuízo financeiro. “O pior inimigo da meliponicultura aqui na região de Irecê é o fumacê. Mas, eu acredito que esse evento é um passo importante para resolvermos esta questão. Precisamos de uma solução rápida e imediata”.  

Apresentação do meliponicultor Márcio Pires

Luciana Khoury relatou que o fato anunciado pelo apicultor Márcio da região de Irecê, só demonstra que existem problemas em decorrência do uso de alguns produtos no fumacê, como a mortandade de abelhas – situação a qual Márcio foi vítima – e, assim, serão encaminhadas pelo fórum informações aos órgãos responsáveis por atuar, e para a Promotoria de Justiça de Irecê. A promotora ressaltou também que o FBCA discutirá, em sua próxima plenária, sobre a prática do fumacê, seus riscos para a saúde humana, para o meio ambiente e sobre como combater a sua prática nos municípios baianos.

Genna Sousa também se emocionou com o caso das colméias completamente destruídas em Irecê. “Eu fico horrorizada! Estou acompanhando, diretamente ligada a tudo isso nessa luta. Tenho recebido muitos relatos de mortalidade de abelhas devido ao fumacê. De 2015 até 2020, perdemos meio bilhão de abelhas, devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos”, afirmou. Em sua apresentação, a bióloga explicou, de forma didática, a relação entre abelhas, meio ambiente e sua preservação. 

Rejane Peixoto, médica veterinária da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), falou sobre a importância da realização do cadastro de meliponicultores e apicultores na ADAB e orientou como fazê-lo, para que a agência ligada ao governo do estado consiga identificar a dimensão dessa cadeia produtiva, os possíveis danos ambientais decorrentes da contaminação por agrotóxicos e atuar de forma estratégica nestes casos. ”Os dados presentes no cadastro são fundamentais. Além do mais, quando houver alguma suspeita de intoxicação ou de mortandade de abelhas, tem que notificar. Essa é uma questão séria e que tem aumentado cada vez mais”, alertou. De acordo com ela, atualmente estão cadastrados 2.376 criadores de abelhas na ADAB. Em 2017, esse número alcançava a marca de 57 cadastros, o que demonstra a expansão da atividade no estado da Bahia.

Apresentação da Técnica da ADAB, Rejane Peixoto

Formulário de denúncias

O advogado ambientalista e assessor jurídico do Ministério Público, Cleber Folgado, que também é membro do FBCA,  apresentou o ‘Formulário de denúncia mortandade de abelhas’, instrumento desenvolvido para facilitar ao público em geral o acesso, a realização e a formalização de denúncias acerca da mortandade de abelhas por agrotóxicos. A ferramenta está disponível em nosso site. 

De acordo com Folgado, o formulário é de simples compreensão – “Seu preenchimento não leva nem 5 minutos”, garante -, sendo necessário ao denunciante ter informações como: o local da mortandade e tipo de abelha (nativa ou africanizada); o tipo de aplicação de agrotóxico que causou a mortandade (aérea ou terrestre); se o apicultor encontra-se registrado na ADAB e se foram coletadas amostras para análise laboratorial; se foi registrado boletim de ocorrência na delegacia de polícia, entre outras. 

Durante o preenchimento, o denunciante pode solicitar que sua identidade seja mantida em sigilo e, após a denúncia ser realizada, tais informações são direcionadas imediatamente para o e-mail da Secretaria Executiva do FBCA, cujo acesso é exclusivo à entidade.  “Estes dados serão verificados e redirecionados na forma de denúncia, através de ofícios específicos aos órgãos de controle e fiscalização, para que tomem as providências necessárias”, contou Cleber Folgado. O advogado destacou, ainda, que a iniciativa da criação do formulário é inédita no país: “Não temos notícia de algo dessa natureza em outros estados, de modo que nos parece inovadora”. 

Apresentação do advogado ambientalista Cleber Folgado

Interação do público

Ao final de cada bloco de apresentações, as pessoas puderam fazer perguntas, tirar dúvidas, expor problemas correlatos que tenham experienciado ou observado nas suas respectivas regiões, fazer encaminhamentos e discutirem, conjuntamente, com os palestrantes e os membros do FBCA, possíveis saídas para o enfrentamento da mortandade de abelhas. 

Foi consenso entre os participantes quanto à qualidade do seminário: “Quero agradecer a organização desse evento, com palestras de alto nível e com muita informação que precisa ser disseminada e compartilhada. É necessário fortalecer as resistências, e compartilhar experiências positivas nos dá esperança… Obrigada”, escreveu Annelyse Figueiredo. 

seminário ‘Agrotóxicos e Mortandade de Abelhas: Consequências para a Vida’ pode ser visto ou revisto na íntegra no canal da Agendha no Youtube, no link https://www.youtube.com/channel/UCiiTqtrpzzjbkqD7oeIRhYw. E uma versão editada no canal do próprio Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Transgênicos e Pela Agroecologia (FBCA)

Texto: Vitória Viana e Nilma Gonçalves

Colaborou: Rogério Cunha