NOTA PÚBLICA PARA MANUTENÇÃO DA DATA DE BANIMENTO DO PARAQUATE
O FÓRUM NACIONAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS e FÓRUNS ESTADUAIS abaixo nominados, instrumentos de controle social que congregam entidades da sociedade civil com atuação em âmbitos estadual, regional e nacional, órgãos de governo, o Ministério Público, a Defensoria Pública, representantes de setores acadêmicos e científicos e da sociedade civil organizada, com sede na Procuradoria Geral do Trabalho, situado na SAUN, Quadra 05, Lote C, Torre A, Sala 806, Brasília-DF, em face de decisão de sua Segunda Plenária Anual ocorrida no dia 26 de agosto de 2020, vêm a público manifestar-se contrários à alteração da data de banimento do uso do agrotóxico Paraquate, o qual possui previsão de ser excluído do mercado brasileiro no dia 22 de setembro de 2020, CONSIDERANDO que:
- o Paraquate foi banido na União Europeia, China, Laos, Camboja, Costa do Marfim, Cabo Verde, Senegal, Nigéria e, recentemente, na Tailândia[1], denotando a preocupação mundial com as consequências do uso desse agrotóxico. Na contramão, observa-se que, no Brasil, foi retomada a discussão sobre a reavaliação do prazo de banimento do Paraquate, o que pode impactar inclusive as exportações futuras de produtos agrícolas brasileiros;
- os perigos à saúde, associados ao paraquate, são debatidos desde a década de 80 e em 2008, a Anvisa colocou o agrotóxico em reavaliação, a qual foi concluída somente em 2015, mesmo ano em que a decisão regulatória foi colocada em consulta pública-CP, com destaque à retirada programada com restrições e banimento, ao final do prazo, do ingrediente ativo.
- a CP foi amplamente debatida, com diversas contribuições de instituições públicas, setor regulado e sociedade civil. O conjunto das informações foi consolidado e analisado pela Agência e, como conclusão, publicou a Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA n. 177, de 21 de setembro de 2017, posteriormente alterada pela Resolução RDC n. 190/2017, as quais estabeleceram a proibição do ingrediente ativo Paraquate em produtos agrotóxicos no Brasil, prevendo regras transitórias de mitigação de riscos, o denominado “Phase-out” ou retirada programada;
- a RDC n. 177/2017 proibiu, “após 3 (três) anos, contados a partir da data de publicação desta Resolução, a produção, a importação, a comercialização e a utilização de produtos técnicos e formulados à base do ingrediente ativo Paraquate”, conforme seu art. 2º. Nesse sentido, a partir de 22 de setembro de 2020, o Paraquate não poderá mais ser utilizado no Brasil;
- o setor do agronegócio e o lobby das empresas têm se esforçado para que o Paraquate seja mantido, prorrogando-se seu prazo de banimento, na tentativa de flexibilizar as normas protetivas, alegando a possibilidade de apresentação de mais estudos (mutagenicidade e biomonitoramento), que rediscutam a fundamentação científica da decisão regulatória adotada, conforme citado no artigo 2º da Resolução n. 177/2017 da Anvisa;
- a Diretoria da Anvisa, em momento deveras inoportuno, durante a pandemia de COVID-19, no cenário de isolamento social e sem a devida transparência, tenha deliberado sobre a alteração de prazo da RDC n. 177/2017, sem que seja disponibilizada no sítio eletrônico da Anvisa (http://portal.anvisa.gov.br/minutas-de-normas) a Proposta de alteração da referida Resolução;
- em que pesem esses esforços, é de ser destacado que a própria Procuradoria Jurídica da Anvisa, conforme Parecer n° 125/2020/SECONS/PFANVISA/PGF/AGU, o qual se transcreve alguns trechos abaixo, analisou a questão, aderindo às razões que corroboram para o banimento definitivo do Paraquate no Brasil, sem que haja alterações de prazos:
42. No caso presente, compulsando a marcha processual não se encontrou qualquer ato da diretoria dessa agência no sentido de avaliar e analisar as postulações da força tarefa e da FPA no sentido de se estender o prazo disposto na cabeça dos arts. 2º e 10º da RDC n. 177/2017.
43. Logo, não é encontrado nos autos qualquer justificativa ou razão que demonstre a presença de fundamentos técnicos, científicos, sanitários para a proposição normativa em espeque.
44. Não são suficientes, por óbvio, as razões expostas pela força-tarefa e pela FPA, haja vista que, mesmo legitimadas para postulação deduzida, não substitui as razões da gestão dessa agência.
45. Neste giro, parece-nos carente de motivo a presente proposição normativa, já que, repita-se, não são apresentados os motivos e razões pela gestão dessa ANVISA que justifiquem e fundamentem, com suporte técnico, científico, sanitário a viabilidade e necessidade da alteração do marco regulatório definido pela RDC n. 177/2017.
- é sabido que o progresso dos saberes científicos é indispensável à efetiva aplicação da Resolução nº 221/201813, da Diretoria Colegiada da ANVISA – e mesmo à sua utilidade –, sobretudo para que se evite a manutenção do registro de substâncias que impliquem riscos à saúde humana ou ao meio ambiente, por revelarem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, não se tolerando a publicidade enganosa e a sobreposição de alguns interesses privados sobre o interesse público;
- o Paraquate é considerado um dos agrotóxicos mais nocivos do mundo, dada à característica da mutagenicidade inerente, bem como em razão do potencial de causar a doença de Parkinson, sendo oportuno recordar que “O Paraquate foi sintetizado pela primeira vez em 1950 (…) classificado entre os herbicidas mais tóxicos e perigosos para as plantas, animais e humanos” [2];
- a nocividade e toxicidade do Paraquate à saúde podem ser depreendidas da própria Resolução RDC n. 177, de 21 de setembro de 2017, na qual consta como anexo o seguinte termo de assunção de risco[3]:
- merecem destaque as conclusões da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), as quais esclarecem que, diante dos efeitos tóxicos agudos do Paraquate, não há tratamento médico reversível[4];
- estudos realizados pela FIOCRUZ concluíram que o Paraquate provoca efeitos de extrema gravidade para a saúde humana e que “(…) em situações de exposição crônica, o Paraquate possui o potencial de causar efeitos graves a longo prazo, como neurotoxicidade, toxicidade reprodutiva, desregulação endócrina e genotoxicidade e até de perpetuar muitos desses efeitos para gerações subsequentes” (Autos nº 5000960-81.2020.4.03.6002). Estas características têm fundamentado o seu banimento em diversos países;
- a Lei n° 7.802/1989, no § 6º do seu art. 3°, prevê a proibição do registro de agrotóxicos que “revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica”;
- não bastassem as evidências científicas de conhecimento mundial, a retomada da deliberação pela Anvisa, motivada pelo setor do agronegócio e lobby de empresas interessadas na prorrogação do prazo de banimento do Paraquate no Brasil, violam a um só tempo direitos fundamentais e princípios constitucionais;
- não há novas evidências científicas que excluam o potencial mutagênico do Paraquate em células germinativas e garantam a exposição negligenciável em todas as etapas de possível contato com o produto, devidamente comprovadas com a apresentação de “estudos de mutagenicidade em células somáticas e germinativas in vivo e estudos de biomonitoramento utilizando sistema fechado de manipulação do produto e contemplando;
- diante desse contexto, a Anvisa sequer poderia ter iniciado as deliberações sobre a alteração do prazo de da retirada programada desse agrotóxico, conforme condicionante prevista na RDC n. 177/2017 (artigo 2º), sobretudo porque o banimento do paraquate foi precedido de intensa discussão com a sociedade civil. No Parecer da Procuradoria Jurídica da Anvisa anteriormente citado, há o alerta para tal desrespeito ao princípio da legalidade, “(…) sendo o interesse público a cargo dessa agência o de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e controle (Lei n. 8.080/1990) e proteção à saúde e controle sanitário (Lei n. 9.782/99), impera que sua atuação atenda aos vieses preventivo, protetivo e de controle (…)”;
- houve ofensa aos princípios da prevenção e da precaução, amplamente utilizados na análise das questões que permeiam o direito ambiental, como também ao princípio da participação popular na proteção ao meio ambiente (artigo 225 da CRFB/88) e ao princípio da proibição do retrocesso;
- os artigos 225 e 170, inciso VI, da Constituição Federal, impõem o dever da coletividade e do Poder Público de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, com a obrigatoriedade de observância na exploração da atividade econômica;
- “A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar atividades humanas. Não se trata de precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O Princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras, como afirma Michel Prietur.”[5]
- no julgamento conjunto das ADI nºs 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.428 e 6.431, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou as seguintes teses: “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”;
- eventual erro administrativo que ameace a saúde ou o meio ambiente, como o que trata da deliberação e da prorrogação do prazo de tolerância do agrotóxico Paraquate pela Anvisa, sem que haja fundamentos técnicos, implica na configuração do chamado “erro grosseiro” por parte dos servidores envolvidos, a ensejar a responsabilização por improbidade administrativa, consoante entendimento do STF;
- o Supremo Tribunal Federal foi provocado nos seguintes conflitos, em que a tutela ambiental prevaleceu:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.055/1995. EXTRAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E TRANSPORTE DO ASBESTO/AMIANTO E DOS PRODUTOS QUE O CONTENHAM. AMIANTO CRISOTILA. LESIVIDADE À SAÚDE HUMANA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA. ART. 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPRESENTATIVIDADE NACIONAL. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. MÉRITO. AMIANTO. VARIEDADE CRISOTILA (ASBESTO BRANCO). FIBRA MINERAL. CONSENSO MÉDICO ATUAL NO SENTIDO DE QUE A EXPOSIÇÃO AO AMIANTO TEM, COMO EFEITO DIRETO, A CONTRAÇÃO DE DIVERSAS E GRAVES MORBIDADES. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. RECONHECIMENTO OFICIAL. PORTARIA Nº 1.339/1999 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. RISCO CARCINOGÊNICO DO ASBESTO CRISOTILA. INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICO-NORMATIVA E QUESTÕES DE FATO. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA. (…) EQUACIONAMENTO. LIVRE INICIATIVA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR SOCIAL DO TRABALHO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, PROGRESSO SOCIAL E BEM-ESTAR COLETIVO. LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. COMPATIBILIZAÇÃO. (…) PROTEÇÃO INSUFICIENTE. ARTS. 6º, 7º, XXII, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. QUÓRUM CONSTITUÍDO POR NOVE MINISTROS, CONSIDERADOS OS IMPEDIMENTOS. CINCO VOTOS PELA PROCEDÊNCIA E QUATRO VOTOS PELA IMPROCEDÊNCIA. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 23 DA LEI Nº 9.868/1999. NÃO ATINGIDO O QUÓRUM PARA PRONÚNCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. (…) O art. 225, § 1º, V, da CF (a) legitima medidas de controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportam risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, sempre que necessárias, adequadas e suficientes para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; (b) deslegitima, por insuficientes, medidas incapazes de aliviar satisfatoriamente o risco gerado para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente; e (c) ampara eventual vedação, banimento ou proibição dirigida a técnicas, métodos e substâncias, quando nenhuma outra medida de controle se mostrar efetiva. 13. À luz do conhecimento científico acumulado sobre a extensão dos efeitos nocivos do amianto para a saúde e o meio ambiente e à evidência da ineficácia das medidas de controle nela contempladas, a tolerância ao uso do amianto crisotila, tal como positivada no art. 2º da Lei nº 9.055/1995, não protege adequada e suficientemente os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado (arts. 6º, 7º, XXII, 196, e 225 da CF), tampouco se alinha aos compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos, especialmente as Convenções nºs 139 e 162 da OIT e a Convenção de Basileia. Juízo de procedência da ação no voto da Relatora. 14. Quórum de julgamento constituído por nove Ministros, considerados os impedimentos. Cinco votos pela procedência da ação direta, a fim de declarar a inconstitucionalidade, por proteção deficiente, da tolerância ao uso do amianto crisotila, da forma como encartada no art. 2º da Lei nº 9.055/1995, em face dos arts. 7º, XXII, 196 e 225 da Constituição da República. Quatro votos pela improcedência. Não atingido o quórum de seis votos (art. 23 da Lei nº 9.868/1999), maioria absoluta (art. 97 da Constituição da República), para proclamação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, a destituir de eficácia vinculante o julgado. 15. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e, no mérito, não atingido o quórum exigido pelo art. 97 da Constituição da República para a pronúncia da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 9.055/1995. (STF, ADI 4066, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 24/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 06-03-2018 PUBLIC 07-03-2018)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA ESTADUAL E DA UNIÃO. PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE. LEI ESTADUAL DE CADASTRO DE AGROTÓXICOS, BIOCIDAS E PRODUTOS SANEANTES DOMISSANITÁRIOS. LEI Nº 7.747/2-RS. RP 1135. 1. A matéria do presente recurso já foi objeto de análise por esta Corte no julgamento da RP 1.135, quando, sob a égide da Carta pretérita, se examinou se a Lei 7.747/82-RS invadiu competência da União. Neste julgamento, o Plenário definiu o conceito de normas gerais a cargo da União e aparou as normas desta lei que superavam os limites da alçada estadual. 2. As conclusões ali assentadas permanecem válidas em face da Carta atual, porque as regras remanescentes não usurparam a competência federal. A Constituição em vigor, longe de revogar a lei ora impugnada, reforçou a participação dos estados na fiscalização do uso de produtos lesivos à saúde. 3. A lei em comento foi editada no exercício da competência supletiva conferida no parágrafo único do artigo 8º da CF/69 para os Estados legislarem sobre a proteção à saúde. Atribuição que permanece dividida entre Estados, Distrito Federal e a União (art. 24, XII da CF/88). 4. Os produtos em tela, além de potencialmente prejudiciais à saúde humana, podem causar lesão ao meio ambiente. O Estado do Rio Grande do Sul, portanto, ao fiscalizar a sua comercialização, também desempenha competência outorgada nos artigos 23, VI e 24, VI da Constituição atual. 5. Recurso extraordinário conhecido e improvido.
(STF, RE 286789, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/03/2005, DJ 08-04-2005 PP-00038 EMENT VOL-02186-03 PP-00446 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 257-265 RT v. 94, n. 837, 2005, p. 138-141 RB v. 17, n. 501, 2005, p. 51 RTJ VOL-00194-01 PP-00355)
- o STF, no julgamento plenário da ADPF 101/DF, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ao decidir controvérsia relativa à importação de pneus usados, rechaçou tal possibilidade, como guardião dos direitos fundamentais e dos princípios da prevenção e precaução, na defesa do meio ambiente e na proteção da saúde pública[6];
- a Ministra Cármen Lúcia votou pela procedência da ADI 5592 para declarar a inconstitucionalidade do inc. IV do § 3º do art. 1º da Lei n. 13.301/2016, diante da intrínseca relação do princípio da proteção ao meio ambiente com o direito fundamental à saúde, uma vez que, de acordo com a ilustre Ministra, a alteração no equilíbrio do ecossistema e o prejuízo ao desenvolvimento sustentável afetam o ser humano;
- a saúde e a alimentação adequada são direitos sociais, reconhecidos pelo artigo 6º da Constituição Federal, sendo que as ações e os serviços de saúde foram expressamente classificados como prestações de relevância pública (artigo 197);
- extraem-se do § 2º do artigo 2º da Lei nº 11.346/2006 os deveres do poder público, os quais consistem em “respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade”;
- no comprometimento dessas obrigações e, por conseguinte, da efetivação do direito à alimentação, o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição alerta sobre o crescente controle da produção insegura de alimentos por empresas internacionais, no que denomina de verdadeira “captura corporativa”, diante da ingerência dessas empresas em instituições, em espaços políticos e em estruturas de governança[7]:
- no papel do Estado em assumir o protagonismo na regulação em favor do direito à alimentação adequada, Jean Ziegler, que foi Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação (2000-2008), destaca que se trata de exigência imperativa dos povos, para os estados nacionais, que regulem os agrotóxicos e cobrem das corporações pelos seus atentados contra os direitos humanos:
- a revisão de prazos para banimento do Paraquate importa em violação à proteção do consumidor, a qual consiste em direito fundamental e em princípio da ordem econômica, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso, V, da Constituição Federal;
- a jurisprudência, a doutrina, razões e demais argumentos apresentados contemplam o princípio de vedação do retrocesso ambiental e a proibição de sobreposição de interesses econômicos sobre o plexo de direitos coletivos mencionados.
De todo o exposto, não há outra conclusão a se chegar senão a de que as deliberações em torno da prorrogação da produção, comercialização e uso do Paraquate e o eventual adiamento do banimento desse agrotóxico incorrem em inconstitucionalidades, ante os riscos e danos já conhecidos pela comunidade científica e pela própria agência reguladora Anvisa, a qual deve estar a serviço do interesse público, visto que o processo de reavaliação no Brasil já ocorre há mais de 12 anos, incluso o prazo de três anos para retirada programada, não obstante os perigos relatados na nota técnica de reavaliação da própria Agência. Sendo assim, o FÓRUM NACIONAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS e os FÓRUNS ESTADUAIS abaixo nominados manifestam-se contrários à prorrogação do prazo estabelecido para o banimento do Paraquate no Brasil, diante dos riscos e danos irreversíveis à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Brasília, 4 de setembro de 2020.
Coordenador do Fórum Nacional
PEDRO LUIZ G. SERAFIM DA SILVA – MPT
Coordenadora Adjunta do Fórum Nacional
FÁTIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI – MPF
Secretário Executivo
LUIZ CLÁUDIO MEIRELES – ENSP/FIOCRUZ
FÓRUM DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS DE PERNAMBUCO;
FÓRUM DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS DO PARANÁ;
FÓRUM ESTADUAL DE COMBATE AOS EFEITOS DOS AGROTÓXICOS DO RIO GRANDE DO NORTE;
FÓRUM ESTADUAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS DO RIO DE JANEIRO;
FÓRUM BAIANO DE COMBATE AOS IMPACTOS DE AGROTÓXICOS;
FÓRUM GAUCHO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS;
FÓRUM GOIANO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS;
FÓRUM MATO-GROSSENSE DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS;
FÓRUM PARAENSE DE COMBATE AOS AGROTOXICOS;
FÓRUM CATARINENSE DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS;
FÓRUM CEARENSE DE COMBATE AOS IMPACTOS DO USO DE AGROTÓXICOS;
FÓRUM SERGIPANO DE COMBATE AOS VENENOS AGRICOLAS E TRANSGÊNICOS;
FÓRUM PARAIBANO DE COMBATE AO USO INDISCRIMINADO DE AGROTÓXICOS;
FÓRUM ALAGOANO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS;
FÓRUM TOCANTINENSE DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS;
FÓRUM DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS NO AMAZONAS;
FÓRUM PAULISTA DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS;
FÓRUM ESTADUAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS DO ESPÍRITO SANTO;
FÓRUM ESTADUAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS DO ACRE;
FÓRUM PERMANENTE DE COMBATE AO USO DE AGROTÓXICOS NO VALE DO SÃO FRANCISCO;
FÓRUM DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO DE MATO GROSSO DO SUL;
FÓRUM RONDONIENSE DE COMBATE AOS IMPACTOS DO USO DE AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS.
[1] https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/06/22/exclusivo-eua-e-brasil-criticam-veto-da-tailandia-a-pesticida-veem-impacto-em-exportacoes.htm
[2] AKSAKAL, O. Assessment of paraquat genotoxicity on barley (Hordeum vulgare L.) seedlings using molecular an biochemical parameters. Acta Physiol. Plant, v. 35, p. 2281–2287, 2013 Apud Informações Antônio Alberto da Silva, da Universidade Federal de Viçosa. Autos nº 5000960- 81.2020.4.03.6002.
[3] http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2871639/RDC_177_2017_.pdf/399e71db-5efb-4b34-a344-9d7e66510bce.
[4] World Health Organization and Food and Agriculture Organization of the United Nations. Preventing suicide: a resource for pesticide registrars and regulators. Geneva, 2019. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.
[5] MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10 ed. revista, atualizada e ampliada. Malheiros Editores. São Paulo/SP, p. 54.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADPF 101. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Brasília, DF, de 24 de junho de 2019. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629955. Acesso em: 29 jun 2020.
[7] Observatorio del derecho a la alimentación y a la nutrición. La nutrición de los pueblos no es un negocio. 7. ed. Heidelberg: FIAN International, 2015, p. 96. Disponível em: http://tinyurl.com/zn7vj5x. Acesso em 4 set. 2020.